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“MALO MALO MALO MALO” e outras frases com palavras repetidas que fazem todo sentido


Por Janaina de Aquino*

Recentemente, correu a internet o boato de que o Facebook teria desativado dois experimentos de inteligência artificial porque eles teriam abandonado a comunicação em inglês depois de terem desenvolvido um idioma próprio.

Dois robôs, criados para tentarem barganharem itens, perceberam que se entendiam melhor usando frases que, apesar de escritas em inglês, assumiam uma lógica diferente. A revista “FastCo” exibiu um desses bate-papos: 

Bob: Eu posso posso Eu Eu tudo o mais.
Alice: Bolas resultam em zero para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para.
Bob: Você eu tudo o mais.
Alice: Bolas têm uma bola para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim.
Bob: Eu eu posso eu eu eu todo o mais.
Alice: Bolas têm uma bola para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim.
Bob: Eu
Alice: Bolas têm zero para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para mim para.

"Os criadores concluíram que, embora ganhassem pontos por concluir uma negociata, os robôs não eram recompensados por usar o inglês nas conversas, o que os levou a abandonar as regras sintáticas e semânticas da língua. No lugar, adotaram uma forma própria de se expressar", escreve matéria no G1. "Os agentes desistem de usar linguagem compreensível e inventam palavras-código para si mesmos”, afirmou Dhruv Batra, um dos pesquisadores do Facebook. “É como se, ao dizer ‘o’ cinco vezes, você interpretasse que isso significa que eu quero cinco cópias desse item. Isso não é diferente do jeito que comunidades de humanos criam abreviações.”

Mas esta é uma novidade no universo linguístico? Aparentemente, somente entre robôs, pois alguns idiomas permitem, sim, a repetição de palavras/frases repetitivas cheias de sentido, conhecida em inglês como "antanaclasis" e em espanhol como "equívoco".

Steven Pinker, psicólogo e linguista, relata na obra The Language Instinct (1994) a frase criada pela sua aluna, Annie Senghas:

Buffalo buffalo Buffalo buffalo buffalo buffalo Buffalo buffalo.

Embora a palavra buffalo seja repetida um total de oito vezes, é perfeitamente gramatical. Analisada de perto, a partir da língua inglesa, buffalo significa búfalo (bisão-americano, bisonte-americano ou búfalo-americano). Um tipo de búfalo de Buffalo, distrito de Nova Iorque, seria chamado de Buffalo buffalo. Existe o verbo to buffalo, que quer dizer “intimidar”. Agora imagine que um búfalo do Estado de Nova Iorque intimide um ao outro. A frase seria entendida assim:

buffalo from Buffalo, New York, who intimidate other buffalo from Buffalo, New York, are themselves intimidated by buffalo from Buffalo, New York. (búfalo de Buffalo, Nova Iorque, que intimida outro búfalo de Bufallo, Nova Iorque, são intimidados por um búfalo de Buffalo, Nova Iorque.)
A página, Mental Floss, voltada para a geração Y com trivialidades, curiosidades e quebra-cabeças, enumerou outros 9 casos de "antanaclase" ao redor do mundo e que reproduzo abaixo.


1. “LE VER VERT VA VERS LE VERRE VERT” // FRANCÊS


Esta frase tem menos efeito escrita do que Buffalo buffalo, mas, claro, é tudo, menos impenetrável quando lida em voz alta. Em francês,  le ver vert va vers le verre vert significa "o verme verde vai em direção do vidro verde", mas as palavras ver (verme), vert (verde), vers (em direção a), e verre (garrafa) são todas homófonas (!) e, portanto, produzidas como vair, em que a vogal soa de maneira similar a E em "fé". Se quiser treinar um pouco mais, pode tentar substituir a palavra francesa para pele de esquilo, vair, no lugar de uma dessas palavras e pode conseguir até cinco interpretações diferentes com o mesmo som!


2. “CUM EO EO EO EO QUOD EUM AMO” // LATIM




Eo pode ser traduzido do latim de quatro maneiras: (1) vou/estou indo, (2) lá/para aquele lugar, (3) com/por/em ele (pessoa ou coisa), e (4) palavra sem tradução, mas que antes de quod quer dizer "porque", cada qual com uma variedade de nuances no significado. Coloque quatro deles um atrás do outro no contexto cum eo eo eo eo quod eum amo e vai ser capaz de dizer "eu estou indo lá com ele porque o amo"

3. “MALO MALO MALO MALO” // LATIM


Uma frase ainda mais confusa em latim é malo malo malo malo. Malo, em si, pode ser (1) um verbo ("prefiro", "preferiria"); (2) uma forma do caso abativo (leia sobre aqui) da palavra em latim para "macieira", malus (que significa "em uma macieira"); e (3) duas formas completamente diferentes (que significam, em essência, "um homem mau" e "em apuros/com problemas" ou "na adversidade/em situação adversa") a partir do adjetivo malus, ou seja, "mau" ou "perverso". Embora a duração das vogais diferem ligeiramente quando lidas em voz alta, junte tudo e malo malo malo malo pode ser interpretado como "eu preferiria estar em uma macieira do que (na pele) de um homem mau em uma situação adversa". Note ainda que, em latim, "maçã" e "mal" são semelhantes (malum, "uma maçã", malum, "um mal, uma desgraça"). Isso também pode ter influenciado a maçã ter se tornando o "fruto proibido" na Bíblia. Malus também pode ser usado para dizer "mastro de um navio", por isso a frase também pode ser lida como "preferiria ser um homem mau numa macieira a matro de um navio". 

4. “FAR, FÅR FÅR FÅR?” // DINAMARQUÊS


Far (pronunciado “fah”) é a palavra dinamarquesa para "pai", enquanto får (pronunciada como “fór”) pode ser usado como substantivo ("ovelha(s)") e uma forma do verbo  ("ter"). Far får får får? pode ser entendido como a pergunta “pai, ovelhas têm ovelhas?”— para a qual a resposta seria får får ikke får, får får lam, isto é, “ovelhas não têm ovelhas; ovelhas têm cordeiros.”

5. “EEEE EE EE” // MANX


Manx ou mans é uma língua de origem celta da Ilha de Man, no mar da Irlanda. Em manx, ee se refere tanto a um pronome ("ela", pronome feminino, ou "ele/ela", para "objetos", "animais", "situações", "ideias", "alimentos") quanto a um verbo ("comer") e cujo futuro é eeee. A combinação da letra E oito vezes pode significar "ela o/a comerá".

6. “COMO COMO? COMO COMO COMO COMO!” // ESPANHOL


Em espanhol, como pode assumir o papel de preposição, advérbio, conjunção e verbo, permitindo construir diálogos com comente esta única palavra:

Como como? ("Como (eu) como?")
Como como como como! ("Como (eu) como?" "(Eu) como como (eu) como") 

Também daria para entender em português, não acha?

7. “Á Á A Á Á Á Á.” // ISLANDÊS


Á em islandês significa "rio", mas também uma forma da palavra "ovelha": ær. Como preposição, traduz-se por "em". Na situação hipotética em que uma pessoa chamada Rio estiver ao lado de um rio e que, ao mesmo tempo, tenha um ovelha também ao lado ou dentro do mesmo rio, em islandês, teoricamente, seria possível dizer: Á á á á á á á.

8. “MAI MAI MAI MAI MAI” // TAILANDÊS


O tailandês é uma língua tonal que apresenta cinco tons fonêmicos (médio, baixo, alto, ascendente e descendente) e padrões de sonoridade para distinguir o significado entre as palavras ou sílabas que parecem idênticas:  glai, por exemplo, pode significar tanto "longe" ou "perto" a depender apenas do padrão sonoro que dado pelo(a) falante. Assim, o equivalente da frase "madeira nova não queima, queima?" em tailandês seria mai mai mai mai mai —que parece idêntica escrita, mas cada sílaba receberia uma entonação diferente quando lida em voz alta.

9. “O POETA COMEDOR DE LEÕES NO COVIL DE PEDRA” // MANDARIM



Mandarim é outra língua tonal, cujas nuances foram levadas ao extremo por Yuen Ren Chao, um americano de origem chinesa, linguista e escritor, e famoso pelo poema "O poeta comedor de leões no covil de pedra". Quando escrito na sua versão original em chinês clássico, o poema parece uma série de caracteres diferentes:



Porém, a transcrição, de acordo com os autores Chao, entre outros, revela "92 caracteres, todos baseados em apenas uma unidade sonora /shi/, e em diversas variações tonais, o texto pode ser compreendido apenas quando lido, sendo incompreensível quando oralizado, mesmo para falantes experimentados e nativos do mandarim, tais as mudanças de pro- nunciação acumuladas nos últimos séculos, e tal o acúmulo de polissemias decorrentes da oralização":


Segundo os adutores, a tradução discursiva seria:


O poeta comedor de leões no covil de pedra
Havia, num covil de pedras, um poeta chamado Shi, que, viciado em leões, havia decidido comer dez deles.
Ele frequentava o mercado à busca de leões.
Às dez horas, Shi acabara de chegar ao mercado.
Ao ver dez leões, e usando suas fiéis flechas, matou-os.
Ele conduziu os cadáveres ao covil de pedra.
O covil estava úmido. Ele pediu aos servos que o secassem. Depois de seco, ele tentou comer os dez leões.
Quando comeu-os, percebeu que eram, na realidade, dez cadáveres de leões de pe- dra.
Tente explicar esta situação.

Chao e os demais autores de um artigo sobre o poema, Tradução Intersemiótica do ‘Poeta Comedor de Leões no Covil de Pedra’, oferecem uma tradução gráfica que vale a pena conferir aqui.

★★★



*Originalmente publicado em 9 casos de "antanaclase" ao redor do mundo.

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